quinta-feira, julho 28, 2005

Apenas um jornalista

Terça-feira. Frio. Chuva. 16h15. Na sala de espera há mais de duas horas, o entra-e-sai dos visitantes era o que me mantinha acordado. Estava calmo, quase sonolento. Aguardava o fim de uma entrevista até que , finalmente, era chamado. Sorridente, uma jovem funcionária me recebia à entrada. Numa pequena sala, uma mesa quase toma conta de todo o ambiente. Em uma das três cadeiras, uma segunda funcionária, uma senhora, uns 40 anos. O ambiente é claustrofóbico. Pior para mim, que sofro desse mal.
Cerimônias, cumprimentos, amenidades. As perguntas são iniciadas. Frases feitas, questionamentos preparados. Do outro lado, apenas a ansiedade de não cometer erros. O nervosismo de quem é, antes de tudo, um repórter. Repórteres preferem perguntar. As respostas são sempre curtas. Objetivas, como a profissão exige.
Talvez aí já tenha surgido o primeiro obstáculo. Geralmente, profissionais de RH não entendem essa objetividade jornalística. São prolixos. Sem falar no excesso de verbos e gerúndios nas frases, que, além de soarem pessimamente, desestabilizam qualquer pessoa, principalmente um jornalista.
- O que o senhor poderia estar oferecendo para a empresa? – irritante.
Mesmo assim, a conversa fluía. Era necessário. Era a grande chance da minha vida! Não podia – e não queria – desperdiçá-la. Entre uma pergunta e outra, um interminável trânsito de trens do lado de fora interrompia todas as respostas. A cada hiato, uma anotação. A cada anotação, uma incerteza. Meu Deus! Como pode ser dado a apenas duas pessoas o poder de decisão sobre a vida de outras? Como podem julgar minha capacidade profissional? Mas eu não estava lá para perguntas. E uma resposta positiva mudaria a minha vida! Uma resposta negativa e a vida das duas continuaria a mesma.
- Ok, Marcelo! Muito obrigada por você estar participando desse processo! Em breve estaremos entrando em contato com você.
Alguns dias depois...
- Marcelo? Olha, estamos retornando e, após análise, decidimos que, apesar da irrelevante diferença, optamos por outros candidatos. Obrigada ! Vamos estar aguardando por uma próxima oportunidade.
Desliguei o celular. O sorriso nos lábios, que sempre me acompanhou, desapareceu. E anda sumido até hoje. Recebia ali uma sentença construída em apenas 20 minutos. Foram, sem dúvida, os 20 minutos mais longos e intensos da minha vida. Duas simpáticas, prolixas e adeptas de verbos e gerúndios sentenciaram minha capacidade profissional. A vida delas continua a mesma. A minha? Nem um sorriso mais me oferece.
Meu amigão, fiz o possível para não decepcioná-lo. Deus sabe o quanto eu queria estar aí, trabalhando ao seu lado. Eu deveria ter sido mais calmo. Deveria ter escolhido melhor as palavras ou, quem sabe, ter levado respostas-prontas. Deveria ter sido mais mecânico. Me desculpe, amigo do peito, mas ainda não aprendi a deixar de ser eu mesmo. Apenas um jornalista. Apenas um ser humano.

Um grande abraço.

2 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Acho que ninguém gosta de ser entrevistado para conseguir um trabalho. Por maior que seja o seu domínio do assunto ou por mais segurança que você tenha, sempre existirá a dúvida do que o entrevistador quer realmente (se é que ele sabe o que quer). O que dói mais é quando a pessoa não entende do seu trabalho mas tem o poder de julgá-lo.

julho 29, 2005 11:43 AM  
Anonymous Anônimo said...

Marcelo..nós não sabemos o que Deus tem preparado para a nossa vida...aguarde..fique tranqüilo. É normal nos sentirmos injustiçados, mas, talvez o que parece a chance da nossa vida..pode não ser. Uma oportunidade ainda maior pode surgir.. Eu estou a espera da minha...Um abraço, siga em frente..

agosto 01, 2005 9:35 AM  

Postar um comentário

<< Home