quinta-feira, abril 27, 2006

Jornalismo, profissão em extinção

AO ARQUEÓLOGO DO FUTURO

Prezado arqueólogo,

Não sei se você sabe o que é jornalismo. É uma das profissões que hoje estãodesaparecendo. Ao jornalista cabe, entre outras funções, relatar os fatosimportantes do momento com honestidade e denunciar abusos dos poderosos contraos mais humildes, ou contra o interesse público ou contra a paz entre os povos.É uma profissão que incomoda muito.
Como tenho a certeza de que no seu tempo ela já não existirá, tal a velocidadecom que está se extinguindo, quero deixar registrados seus últimos momentos. Mesmo porque, ao contrário das outras profissões que estão morrendo e que devemdeixar como rastros as suas ferramentas e utensílios, o jornalismo não deixaránenhum sinal de que existiu, exceto as histórias publicadas em jornais. Ojornalismo não deixará ferramentas e utensílios, como provas de que existiuporque ele não se define por uma técnica. Sua técnica é parecida com a demuitas outras ocupações. Ele define-se por uma ética, e ética não é algomaterial, que deixe pedaços enterrados no chão.
São muitas as profissões que hoje estão desaparecendo. Cada vez mais são asmáquinas e os computadores que fazem os objetos. E até planejam desenham,escrevem, programam, organizam e despacham. Tudo automático. E cada vez mais osobjetos deixam de ser consertados quando quebram ou desgastam-se, de modo quetambém as profissões dedicadas ao reparo dos objetos desaparecem, tornam-se tãoinúteis quanto os objetos que deveriam restaurar. É o caso do sapateiro. Vocêsabe o que é um sapateiro? É um artesão que fabrica sapatos, um de cada vez, o
assimétrica, foi feita a espécie humana. O sapateiro também conserta sapatos.Ainda há hoje, nesse inicio de século XXI os que consertam, mas são cada vezmais raros. Os que fabricam já não há mais, exceto se for para algum casoespecial de deformidade. Meu pai foi sapateiro. Por pouco tempo. Abandonoulogo, primeiro, porque não levava jeito; depois, deve ter percebido que aprofissão não tinha futuro. Hoje, os sapatos são fabricados em série pormáquinas, são chamados, a maioria, de tênis, com marcas esquisitas e, logo quese gastam, são jogados no lixo. A maioria nem é de couro, é de borracha ou umplástico que imita o couro.

Outra profissão que desapareceu de vez, de modo fulminante é a do linotipista.Você deve saber que muitos dos revolucionários deste século foram linotipistas,que ficaram espertos e revoltados de tanto ler sobre as iniqüidades de nossotempo. Espero que nas tuas escavações você tenha topado com os indíciosmacabros dessas iniqüidades, o holocausto, o massacre em Ruanda, as bombasatômicas de Hiroshima e Nagasaki a fome na Etiópia. Os desaparecimentospolíticos na América Latina.
Voltando aos linotipistas: eles compunham linhas de tipos de impressão emchumbo. Chumbo quente, fumegante. Tinham que tomar leite para não seenvenenaram. Tusso isso sumiu com as composições a frio, com a informática, coma microeletrônica. Sumiu também a datilografa. Você sabia que as pessoasdigitavam as letras num teclado de ferro. E que, se errassem uma letra, tinhaque começar tudo de novo? Também desapareceram os pestapistas, os paginadores,todos os profissionais que montavam as chapas de impressão. Tudo isso era feito à mão, coisa por coisa, página por página.
O desaparecimento do jornalista está se dando de modo mais sutil, mais imateriale por processos diversos. Primeiro, uma boa parte deles, em vez de defender ointeresse público, dedica-se hoje a melhorar a imagem ou defender objetivos degrandes empresas, de grupos de interesse, governos e políticos. Chamam-seassessores de imprensa. Os mais importantes chamam-se diretores de relaçõesinstitucionais. Outros jornalistas estão virando uma espécie nova deficcionista que mistura realidade com imaginação, inventa histórias, usa ospersonagens do momento para criar enredos imaginário. Ou usa elementos de fatosreais para criar todo um enredo, mais envolvente e dramático. Assim, nãoprecisam investigar nada, nem comprovar, nem ouvir todos os lados envolvidosnum episódio para relatá-lo com verossimilhança, muito menos estudar epesquisar os temas sobre os quais escrevem. Não são escritores, como se poderiapensar, porque não tem estilo, não tem classe. Usam uma linguagem insultuosa earrogante, adjetivada, rococó, muito distante também da linguagem clássica dojornalismo, que deve ser objetiva e econômica e, na qual, os fatos devem estaradequadamente hierarquizados e contextualizados. Usam muito o humor e sarcasmo,mas sem o talento e a criatividade dos verdadeiros humoristas. Jogam todos esseselementos dispares num meio novo de comunicação chamado Blog, que não se sabe seé uma comunicação pública ou pessoal. E onde tudo pode ser colocado, fatos,mentiras, fofocas, versões, insinuações, ilações e até acusações. No blog nadadura mais do que duas horas. No blog, tudo é efêmero, fugaz. E divertido. É como se fosse uma sessão de cinema. Assim, o jornalismo também virou entretenimento. Saudações.

Bernardo Kucinski

2 Comments:

Anonymous Anônimo said...

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fevereiro 27, 2010 1:41 AM  
Blogger Tainá Ribeiro said...

Bem escrito, embora vc também assume a posição de bloguista, mas com a classe de um colunista.

abril 18, 2010 12:47 PM  

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