sexta-feira, julho 28, 2006

Criativo e perturbador



Nunca alguém foi tão criativo e perturbador sem perder a independência e o estilo pessoal. E mais: poucos foram tão inovadores e modernos tanto tempo seguido. Miles Davis morreu em 1991, novo, segundo contam, com os olhos arregalados, vendo tudo, como sempre.
Nascido em St. Louis, o músico nunca primou pela "reverência". Davis, esteticamente, também era irreverente. Sua família queria que ele tocasse violino, mas desde os treze anos ele já estava com seu pistom e não o largaria de modo algum. Foi-lhe ensinado que tocasse "rápido e limpo", e sem firulas, já que para seus professores, um dia o garoto americano ficaria "velho e lento". Logo que se sentiu preparado, ingressou na banda de Billy Eckstine, que já contava com Charlie Parker, Dizzy Gillespie e o baterista Art Blakey (que formação!). Mais tarde, todos partiriam para Nova York, onde as coisas aconteciam, e ainda acontecem.
Foi então que começou a revolução que os críticos classificariam como be-bop - a trilha sonora do movimento beat. Davis logo começaria a obter reconhecimento, então, gravou "The Birth Of Cool" e se afundou na heroína. Em 1955, juntou-se a John Coltrane, lançando as bases do que viria ser chamado de fusion.
Insatisfeito com o que fazia - apesar de ser sempre um sucesso - Miles Davis passou a tocar com o pianista Herbie Hancock (o mesmo que já estraçalhou no Brasil com o Free Jazz). A partir dessa nova fusão, discos como "Files De Kilimanjaro" mudaram a música americana, ativando um processo que culminou com "In A Silent Way" e "BitBitches Brew". Para se ter uma noção dos músicos que foram influenciados por este som, temos, entre outros, Chick Corea, Joe Zawinul e John McLauglin, todos, feras do Jazz mundial.
Antes de sua morte, Miles Davis tinha se tornado parceiro do jovem baixista Marcus Miller, trafegando pelo pop, o rap e a world music, com a desenvoltura de sempre.
O disco que dá a melhor noção da qualidade e do potencial de Davis, sem dúvida, é "Kind of Blues". Segundo palavras do próprio Miles Davis, em entrevista à revista People, "Kind of Blues seria talvez o disco a exercer a maior influência na história do jazz". Esse álbum representou o amadurecimento de Davis como líder de banda.
Talvez, o grande barato de Kind of Blues, seja o fato de ter sido esse o primeiro disco totalmente improvisado da história. No texto da contracapa, o produtor - e músico - Bill Evans explica que Davis só apresentou o "esqueleto" de cada tema, isso, apenas alguns instantes antes da gravação. E isso não era tudo, Evans ficou impressionado, motivo: nenhum dos cinco temas do disco jamais tinham sido se quer ensaiados com o restante da banda!
Os músicos, um capítulo à parte. Com categoria, completam a textura metálica dos sopros, os saxes de Cannobal Adderly (alto) e o genial John Coltrane (tenor). Bill Evans é o pianista em todas as faixas, exceto em "Freddie Freeloader", que conta com a participação de Win Kelly. Completando a banda, Paul Chambers (baixo) e James Cabb (bateria), não fazem mais do que armar a cama para os metais e o piano, criando um som com uma calma peculiar, enfim, o puro Cool Jazz.
Das cinco faixas do CD (seis no CD importado, que traz uma bonus track de "Flamenco Sketches", com uma versão mais alternativa) os maiores destaques são: "Blue In Green", "All Blues" e "Flamenco Sketches". Kind of Blues foi o primeiro CD que comprei na vida. E será o meu CD eterno, como Miles Davis.